Os sistemas jurídicos existentes nas culturas das sociedades contemporânea surgiram naturalmente através da consolidação de um conjunto permanente de normas e costumes característicos da organização social de uma comunidade. Na medida em que as sociedades se desenvolveram e formaram grandes impérios centralizados, diversos modelos de códigos gerais nasceram da experiência social, compondo sistemas jurídicos cada vez mais amplos, até constituirem-se, pela força de sua predominância cultural no tempo e no espaço, em tradições jurídicas.
Nos dias de hoje, a organização dos sistemas jurídicos na maioria dos países do mundo, particularmente no hemisfério ocidental, é orientada por duas grandes tradições jurídicas que floresceram na história das civilizações ao longo dos últimos dois milênios e se expandiram para o mundo no rastro do processo colonizador europeu:
1) a tradição jurídica do direito civil romano, de caráter legislativo e doutrinário, foi fundada na antiga civilização romana, e organizada pelo Imperador Justiniano, na metade do primeiro milênio da era cristã, após a queda do grande Império Romano, constituindo-se hoje como a principal fonte do direito na maioria dos países do mundo. A tradição civil romana têm um caráter eminentemente privado e sua sistematização deriva da doutrina do direito civil (ius civile) dos cidadãos de Roma, sendo orientada basicamente por leis e códigos previamente escritos e por princípios seculares consagrados em célebres brocardos latinos.
2) a tradição jurídica do direito consuetudinário anglo-saxônico, de caráter costumeiro e jurisprudencial, teve origem na formação política da Inglaterra e foi consolidada e difundida ao longo do segundo milênio cristão, durante o processo de formação e expansão do Império Britânico, que possuía colônias espalhadas por todo o mundo, especialmente na América do Norte, na Oceania, na Índia e na África do Sul. O marco histórico da tradição saxônica está na famosa Carta Magna de 1215, que definia regras e limitações ao poder dos governos feudais ingleses, favorecendo a cultura da garantia dos direitos públicos e privados.As tradições jurídicas latina e saxônica inspiraram as bases doutrinárias e os princípios gerais dos ordenamentos jurídicos da maioria dos países da atualidade.
O legado jurídico do imperialismo europeu incorporou os costumes das sociedades primitivas locais, formando em cada país ou região, diversos tipos de sistemas jurídicos diferentes, na medida em que uma mesma tradição jurídica se adaptava à cultura regional de cada povo. Ambas as tradições quase nunca se confundem, pois estão localizadas ao redor do mundo de acordo com a herança colonial própria de cada território incorporado.A tradição jurídica romana fixou suas bases na Europa continental e se expandiu para todos os países da América Latina, além de muitas regiões na Ásia e na África, através do processo de colonização empreendido por franceses, espanhóis, portugueses, franceses, etc. A tradição jurídica anglo-saxônica também difundiu-se através das conquistas de colonização do império britânico, especialmente nos Estados Unidos da América. Em alguns casos excepcionais podem coexistir em um mesmo país ambas as tradições jurídicas, como ocorre no Canadá, onde ambas as tradições foram assimiladas através das colonizações francesa e inglesa.
A tradição romana também exerce influência em algumas regiões dos Estados Unidos que foram influenciadas pela colonização espanhola. No México e em toda a América Latina, por influência dos espanhóis e dos portugueses, prevaleceu a tradição romana.No mundo oriental, outras fontes locais e históricas do Direito prevaleceram no âmbito de suas culturas milenares, como a chinesa e a árabe, por exemplo, mas as tradições romana e saxônica também exerceram influência em muitos países. Na medida em que os países orientais - cada um ao seu modo particular - foram se libertando do jugo cultural imposto pelo imperialismo ocidental, as tradições locais ressurgiram fortalecidas, especialmente após o fim da chamada guerra fria, no final do século XX, no vazio deixado pelo fim do Império Soviético, que pretendia estabelecer uma nova tradição jurídica socialista no mundo. O processo histórico próprio de cada país e as influências estrangeiras que foram sendo experimentadas ao longo dos séculos constituiram diversos sistemas jurídicos regionais, ou sub-tradições jurídicas, sem abandonar, no entanto, a experiência das tradições romana e saxônica lograda através de séculos de colonização.Nos tempos da guerra fria, alguns doutrinadores já consideravam a existência de uma terceira tradição denominada tradição jurídica do direito socialista, o que se tornou uma definição imprópria para englobar todas as diferentes culturas jurídicas do extinto bloco comunista. Neste contexto, a tradição socialista deve ainda ser considerada apenas como se fosse uma nova sub-tradição jurídica. O movimento socialista resistiu aos percalços das indefinições geradas pelo desmoronamento do chamado socialismo real soviético, exercendo uma forte influência nos países ocidentais, particularmente na Europa, onde permanece como uma alternativa para o futuro, de forma a poder-se transformar realmente em uma verdadeira tradição jurídica predominante no século XXI.
Atualmente, dos quinze países que compõem a União Européia, treze são governados por partidos socialistas.Direito Civil RomanoDurante o período de formação da tradição jurídica do direito civil romano, a mais antiga e mais difundida das tradições jurídicas em todo o mundo, as sociedades que foram por ela influenciadas, especialmente na Europa e na América Latina, nortearam seus ordenamentos jurídicos com base na sistemática da doutrina civilista, em razão da larga experiência histórica vivida pelos povos que aperfeiçoaram as práticas e os conceitos do direito civil de Roma, desde a época pré-cristã da república romana (450 a.C. - Lei das Doze Tábuas), até os tempos do Imperador Justiniano (550 d.C.), que organizou toda a cultura jurídica romana acumulada ao longo de mil anos (550 d.C. - Corpus Iuris Civilis).Para que a riqueza da cultura jurídica romana chegasse até os nossos dias, o trabalho de Justiniano foi retomado no segundo milênio cristão, pelos glosadores, copiladores e comentadores medievais, que trataram de resgatar o estudo dos códigos elaborados por Justiniano e deram cunho científico e sistemático ao direito romano.
Esta evolução foi consagrada no início do século XIX, após a Revolução Francesa, com a promulgação do famoso código civil napoleônico, que consolidou definitivamente a tradição jurídica do direito civil romano no continente europeu, de caráter doutrinário e legislativo, em contraste com a tradição do direito costumeiro e jurisprudencial que prevaleceu nas ilhas britânicas. Mais tarde surgiram outros movimentos de renovação do código civil francês, com destaque para os trabalhos da Escola Histórica de Von Savigny, na Alemanha, no final do século XIX, e para a Escola Italiana, do início do século XX, que influenciaram os novos códigos civis que surgiram recentemente na Europa.A tradição do direito civil romano tem um caráter eminentemente de direito privado, mas também contém muitos preceitos de natureza pública, assim como incorporou conceitos da tradição jurídica anglo-saxônica foram incorporados aos princípios da doutrina civilística romana.
O direito civil romano também foi muito influenciado pelo chamado direito comum europeu (ius commune), que se expandiu ao tempo das invasões dos bárbaros e ao longo dos séculos seguintes à queda do Império Romano. Dentro da sistemática romana, este direito comum pode ser compreendido como uma derivação do antigo jus gentium - direito das gentes ou dos povos - em contraposição ao jus civile, que era exclusivo aos cidadãos romanos. A dualidade territorial entre o continente, representado pela Europa, e a ilha, representada pela Inglaterra, é uma das razões históricas de não haver um direito civil sistematizado e codificado no direito anglo-saxônico, uma vez que o jus civile foi obra própria dos romanos e da cultura latina.
Além do ius commune da Europa medieval, o ius civile foi também influenciado tanto pelo direito mercantilista, nascido das práticas e costumes comerciais, como pelo direito canônico, instituído e consolidado pela Igreja Católica durante a Idade Média. Com o passar dos tempos, muitos conceitos doutrinários contidos na sistemática do direito civil romano ganharam autonomia para dar origem a novos ramos do Direito. No campo dos contratos e das obrigações, por exemplo, as relações comerciais e as locações de serviços tornaram-se campos autônomos do Direito - o Direito Comercial e o Direito do Trabalho - que preservam, ainda hoje, na raiz, a identificação com a sistemática da ordem civil, que ficou impregnada na cultura jurídica da dos países de tradição do direito romano.Entretanto, nos dias de hoje, a tradição do direito civil perdeu muito de sua importância orientadora a partir do surgimento e do fortalecimento do constitucionalismo, de caráter eminentemente público, que concebeu um contrato social geral - a constituição - que é uma lei hierarquicamente superior a todas as demais leis e rege os princípios de todo o ordenamento jurídico.
Dessa forma, expansão da atividade governamental e a crescente importância do direito público nas relações sociais alteraram substancialmente a posição de primazia conceitual da tradição romana sobre as ciências jurídicas no mundo latino.No âmbito dos sistemas jurídicos da tradição jurídica romana, podemos observar que a expressão direito civil (ius civile) pode significar não só o ramo do Direito que ordena as relações pessoais e privadas, mas também, em um sentido mais amplo, toda uma tradição jurídica inspirada no antigo direito civil romano, que se consolidou na Europa e se expandiu praticamente para o mundo inteiro, ao lado da expansão da tradição jurídica do direito consuetudinário anglo-saxão.
Os países que pertencem à tradição jurídica do direito civil romano, influenciados pelo código civil francês de 1804, passaram a valorizar a lei escrita - previamente estabelecida pelos legisladores para resolver um futuro conflito de interesses - como fonte principal do direito.Por outro lado, para a tradição do direito anglo-saxão, o costume e as decisões judiciais formam precedentes legais que são aceitos quase que obrigatoriamente (método do stare decisis), tamanha é a importância da cultura consuetudinária e jurisprudencial nos países do chamado sistema anglo-saxônico do common law. Contudo, a jurisprudência e os costumes exercem também função relevante nos processos de aplicação e interpretação do Direito em países de tradição do direito civil romano, assim como, inversamente, a lei escrita pode atuar com força obrigatória na solução de conflitos jurídicos em países do direito consuetudinário anglo-saxônico. Isso nos mostra que, de uma forma geral, sejam de origem romana ou saxônica, os atuais sistemas jurídicos guardam muitas semelhanças entre si, apesar das diferenças culturais e das práticas jurídicas distintas que prevaleceram em cada nação e em cada sistema que recebeu uma ou outra tradição.
Um exemplo histórico da aproximação entre ambas as tradições jurídicas pode ser representado pelo fato de que, entre os séculos XI e XV, o direito inglês foi fortemente influenciado pelo ius civile da tradição romana. No século XVI, segundo fontes enciclopédicas, jurisconsultos do continente europeu que estudavam o direito romano foram bem recebidos por reis e administradores ingleses, que assimilaram e adotaram muitas regras e procedimentos da tradição do direito civil romano na sistemática da cultura da doutrina jurídica inglesa.Outro exemplo, mais atual, da convergência entre as duas tradições jurídicas, está na possibilidade de vir a ser adotado no sistema jurídico brasileiro o instituto da súmula vinculante, que consiste em tornar obrigatórias certas decisões dos tribunais superiores, de forma a impedir o excesso de recursos idênticos em processos em que um tribunal superior (no caso, o Supremo Tribunal Federal) já tenha proferido repetidas decisões semelhantes a respeito do mesmo fato, evitando, assim, o acúmulo de processos idênticos, onde os recursos funcionam apenas como um mero artifício protelatório, que retarda e atrapalha o funcionamento da máquina judiciária.
Trata-se, enfim, de um instituto inspirado no sistema do stare decisis do direito anglo-saxão e, talvez por isso mesmo, é visto com reservas por muitos juristas brasileiros, uma vez que tal instituto é estranho à lógica jurídica da cultura da tradição do direito civil romano. A adoção desse novo instituto jurídico no direito brasileiro violaria, do ponto de vista refratário de tais juristas, um outro entendimento a respeito da função judiciária, inspirado na estrita separação entre os poderes - que, como mecanismo funcional do sistema de aplicação do Direito - não ocorre no direito anglo-saxônico) de forma a não conceber, nos sistemas jurídicos da tradição romana, a imperatividade de uma decisão judicial para solucionar outros casos, independentemente da instância em que tal decisão for proferida.
As tradições e sub-tradições jurídicas devem ser compreendidas paralelamente ao surgimento do fenômeno do constitucionalismo, inspirado nas idéias dos revolucionários Rousseau, Montesquieu e Jefferson, que lançaram as bases do Direito Público no final do século dezoito.Nos países da tradição jurídica do direito costumeiro, especialmente os Estados Unidos da América, berço do constitucionalismo, os limites entre direito público e direito privado evoluíram naturalmente dentro da ordem cultural dos sistemas jurídicos destes países, que não tinham um código civil escrito e não contavam com uma identificação sistemática que diferenciasse o direito público do direito privado, senão empiricamente. Nos países da tradição civil romana, ao contrário, as constituições surgiram em contraste com a legislação civil, através de uma dualidade codificada (pública X privada ou constituição X código civil) definindo certos limites entre as esferas pública e privada, embora muitas vezes tais limites ainda ficassem bastante imprecisas.
Obs: Estes dois textos fazem parte de um amplo trabalho de pesquisa sobre as TRADIÇÕES JURÍDICAS que deram origem aos SISTEMAS JURÍDICOS atuais.A partir destas noções voce já pode indentificar a origem do sistema conforme seja a tradição de um país.
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